Estiagem escancara crise no setor leiteiro, onde produtores desistem da cultura pela inviabilidade econômica
A falta de chuvas afeta muitos setores. O agronegócio sente um dos maiores impactos, prevendo prejuízos de curto a longo prazo. O setor lácteo é um dos mais atingidos, estando em estado de alerta. A estiagem escancarou a inviabilidade econômica da produção de leite, principalmente a quem trabalha com nutrição a base de ração. Em Santa Catarina, a cultura é o pilar econômico de muitas propriedades, mas, o mais correto seria falar em cidades ou até regiões.
Na atualidade, o mercado lácteo vive uma de suas maiores instabilidades. Para se ter uma noção da situação, não houve acordo na primeira reunião do Conselho Paritário Produtores/Indústria de Leite no Estado de Santa Catarina (Conseleite-SC) na reunião ordinária.
Representantes dos setores estiveram reunidos no dia 20 de novembro. Dos itens da pauta, apenas a consolidação do valor de outubro foi alinhada. Conforme boletim, houve consenso que o valor praticado foi de R$2,1002 para o leite acima do padrão, R$1,7075 no leite padrão e R$1,5810.
De acordo com o Presidente do Conseleite-SC, José Carlos Araújo, não houve acordo entre os produtores e indústria acerca do preço do leite a ser praticado em novembro. Relata que a indústria propôs abaixar o valor, em torno de R$0,09 ao litro. Os produtores não aceitaram e reivindicaram aumento, haja vista o custo de produção.
Segunda-feira (30), os representantes do setor estiveram reunidos novamente. Desta vez, em reunião extraordinária. A pauta exclusiva deste encontro foi o preço do leite a ser praticado em novembro.
Falta alimento
Em uma das quitandas da Feira da Agricultura Familiar, em São Lourenço do Oeste, a família Valduga comercializa o catálogo Sabor do Vale. Dentre as opções de produtos coloniais, há nata, manteiga e diversos tipos de queijo, além de outros derivados de leite. Maikeo, filho e vendedor, conta que a linha de produção foi reduzida nas últimas semanas. Relata que a produção de leite sofreu baixas consideráveis. "Está um pouco complicado", diz.
A propriedade da família Valduga é situada na Linha Bela Vista, onde há nascentes de água afluentes ao Rio Macaco, que é a principal fonte de captação de água para abastecer São Lourenço do Oeste e Novo Horizonte. Mesmo com esse manancial, os trabalhos da propriedade são duramente impactados pela estiagem.
No último mês, a baixa na produção leiteira foi significativa. Valduga estima que o volume de leite se reduziu a 50% da produção normal. Água para o rebanho beber, há. Por outro lado, as pastagens diminuíram. "Dá dó de ver o gado", conta.
Araújo, que além da presidência do Conseleite-SC é produtor de leite, conta que a realidade da família Valduga é compartilhada por tantos outros agricultores da região. A pastagem está em um momento crítico. Há piquetes desabastecidos pela mudança de estação, enquanto outros a pastagem não se desenvolveu pela falta de chuva.
Muitos agricultores apostaram na produção de silagem para amenizar a entressafra de pastagem. Como o volume das chuvas foi abaixo do esperado, a produção de milho está severamente comprometida.
Há lavouras onde a quebra de produção chega a 80%. "Uma safra, onde se prevê colher 50 toneladas de silagem, está colhendo dez. No máximo 12 toneladas", exemplifica Araújo.
Sem a massa folhear, a alternativa é partir para a nutrição a base de ração. Porém, há alternativa é extremamente cara e nem sempre está disponível.
Araújo relata que a nutrição a base de ração tem como base o farelo de soja. No mercado nacional, tal produto está em falta. Além de não ter estoques, não há previsão para formação de novas montas.
Migração do manejo de pastagem para uso de ração apresenta um custo elevado. "O leite subiu, mas não foi a quantidade que aumentou os insumos para produzir leite", relata Valduga.
Em 2020, a soja valorizou mais de 200% no mercado regional. Há praças de negociação que o acréscimo é próximo de 300%.
Araújo comenta que parte da produção nacional foi destinada para o comércio exterior, isso vale para grãos e também para o farelo. "Infelizmente, o custo está muito alto", relata.
Impactos são registrados
Diante da baixa lucratividade, alto custo e grande demanda de trabalho, a produção de leite deixa de ser a principal cultura de muitas propriedades rurais. O impacto, que já foi sentido nos anuários de produção, tende a se intensificar.
José Carlos Araújo, presidente do Conseleite-SC, relata que há muitos agricultores repensando sobre a continuidade na produção leiteira. Não há um levantamento para dizer qual o percentual que já migrou de cultura, no entanto, estima-se que cerca de 10% fez o movimento.
Em alguns casos, os mais extremos já registrados, o rebanho foi destinado para abate. Há poucos dias, um agricultor deparou-se com a falta de alimento e liquidou o rebanho.
Há expectativa que a quantidade de agricultores investindo em produção leiteira diminua. Araújo acredita que esse percentual será relevante à cadeia produtora no curto prazo.
Reflexo dessa migração de investimento será sentido nos supermercados. Em faltando matéria prima no mercado nacional, o leite irá se tornar mercado global e passará a ter tarifação em Dólar ou Euro. Se isso acontecer, o valor de venda ira dobra ou triplicar.
Atualmente, o preço médio do litro de leite oscila entre R$3 e R$4. "O consumidor está apreendendo a pagar o preço justo pelo leite. Ele está vendo o cenário", relata Araújo.
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