A violência contra o comércio legal do álcool
Preferido dos consumidores, o álcool líquido concentrado, ou puro, é uma tradição no Brasil e no mundo, consagrado e aplicado há séculos. Afinal, as donas de casa são sábias, usam o mesmo produto obrigatório em hospitais, estabelecimentos de saúde e de alimentação, e numa gradação nunca abaixo de 70%.
Pois estas senhoras estão frustradas e há cerca de um mês não encontram o seu álcool líquido nas prateleiras e gôndolas dos supermercados ou nos mercadinhos da periferia. Elas conhecem bem as propriedades do álcool – uma sabedoria que se transmite de geração em geração -, e não apenas como produto de limpeza, no qual é imbatível.
Ele é importante no combate a infecções relacionadas aos procedimentos assistenciais, por suas propriedades microbicidas reconhecidamente eficazes para eliminar os germes. É imprescindível em ações simples de prevenção, como a assepsia das mãos, em desinfecção do ambiente e de artigos médico-hospitalares.
Além disto, é adquirido com baixo custo, de fácil aplicação e toxicidade reduzida.
E se as donas de casa brasileiras são tão sábias, o mesmo não se pode dizer da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa, que vem tentando retirar de circulação o álcool líquido concentrado. Sem amparo legal, esta agência oficial passou a multar estabelecimentos comerciais por venderem o produto. Puro autoritarismo.
Como a questão ainda se encontra sub judice, a Anvisa toma uma decisão arbitrária ao se arvorar o poder de Polícia e de Justiça. Como não é uma coisa nem outra, apenas pratica uma violência contra o comércio legal de álcool líquido em gradação superior a 70%. O carimbo de “federal” não confere à agência autoridade para afrontar a Justiça.
Há mais de dez anos a Anvisa tenta proibir o álcool líquido no Brasil. Perdeu em primeira instância e, em segunda, o assunto ainda depende de julgamento. Logo, uma simples resolução de âmbito interno não lhe dá poderes de proibir o comércio de servir seus clientes da melhor maneira.
Um frasco de álcool com 92 graus INPM tem 92% em massa de álcool e 8% de água. Esse é o preferido das donas de casa, que desdenham o álcool gel ou o líquido com 46 graus INPM. Ou seja, mais água que álcool e, portanto, sem o poder do primeiro.
A Anvisa tenta tutelar a sociedade brasileira. Além disso, impõe prejuízos de monta aos produtores e envasadores de álcool líquido, há décadas contribuindo para o crescimento da economia com um produto genuinamente nacional.
Os argumentos da agência são risíveis: alega que atua para evitar acidentes domésticos com álcool líquido e cita aleatoriamente o número de 150 mil por ano no Brasil, sem mostrar de onde vem tal estatística. Nem na Justiça conseguiu comprovar o número. Por outro lado, e de forma cristalina, dados do Sistema Único de Saúde (DATASUS) revelam um número de casos de queimaduras espantosamente menor que o apresentado.
Esses dados computados englobam todos os líquidos inflamáveis, como gasolina, querosene, solvente, entre outros, além do álcool. Que se traga a verdade, sem os enfeites da Anvisa: os números do SUS mostram que, anualmente, é registrada no Brasil uma média de três mil casos de internação por exposição à combustão de todas as substâncias inflamáveis – 45% a menos do registrado nos Estados Unidos, em que a comercialização do álcool não é proibida. Ressalte-se que a maioria dos acidentes é causada por uso indevido do produto.
Além do mais, a se levar ao pé da letra a intenção da agência, só faltará proibir de imediato o gás de cozinha, que explode com frequência. Em todos os casos e dos produtos citados, o cidadão deve tomar as precauções recomendadas.
Por isso, deve-se dar toda a atenção ao ministro Marco Aurélio de Mello, do Supremo Tribunal Federal. Relator numa Ação Direta de Inconstitucionalidade sobre uma lei estadual que tenta proibir uso do amianto em São Paulo, ele foi claro e direto:
“O perigo resultante do manuseio inadequado de determinado produto não pode consubstanciar premissa jurídica para retirá-lo do mercado, sob pena de se inviabilizar a vida em sociedade”...
... “Para o público em geral, não há indicações de que o amianto seja mais perigoso que outras substâncias igualmente conhecidas e lícitas, como o tabaco, o benzeno, o álcool, etc. Vale ressaltar que, se empregado na forma devida, o crisotila não traz qualquer risco ao usuário...”
E mais: “Se o amianto deve ser proibido em virtude dos riscos que gera para a coletividade ante o uso indevido, talvez tenhamos de vedar, com maior razão, as facas afiadas, as armas de fogo, os veículos automotores, enfim, tudo que, fora do uso normal, é capaz de trazer danos às pessoas”.
É triste, mas esta é a verdade: a Anvisa, na sua extrema arrogância, tenta inviabilizar a vida em sociedade.
Ao contrário da tutela, entendemos que campanhas de esclarecimento sobre produtos inflamáveis seja uma atitude bem mais inteligente e democrática do que uma imposição desprovida de sentido.
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