Representante da OAB SC afirma que legislação 'tem falhas graves' e precisa ser adaptada à realidade
Nesta semana, dois fatos marcaram o processo de impeachment contra o governador Carlos Moisés da Silva e a vice Daniela Reinehr. No primeiro, a Alesc publicou o rito de trabalho oficial do tribunal misto composto por deputados e desembargadores. No segundo, a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, negou a ação movida pela Procuradoria Geral do Estado que contestava alguns trâmites adotados no processo.
Para o representante da Ordem dos Advogados do Brasil de Santa Catarina (OAB/SC) no processo de impeachment, Rogério Duarte da Silva, os dois fatores são importantes para atestar a legitimidade do processo. A entidade acompanha o caso desde o início, a fim de garantir que todos os procedimentos sejam legais e transparentes e que os acusados tenham amplo direito de defesa.
Em entrevista à Rede Catarinense de Notícias, ele comentou essas decisões e questões jurídicas e políticas relacionadas ao impeachment.
Rede Catarinense de Notícias - Nesta semana, a Alesc publicou o rito do tribunal misto que define as regras daqui para frente. Qual a avaliação sobre o documento aprovado?
Rogério Duarte da Silva - O rito aprovado pelo tribunal misto segue o previsto pela lei, o código de processo penal, e também segue as decisões judiciais que estão em vigor. O rito, pelo que nós temos na lei e pelas decisões do Supremo, está perfeito. Ele é muito claro e foi muito bem elaborado. Respeita a ampla defesa, a legalidade e o devido processo legal.
RCN - O tribunal misto é inédito. Nunca um processo de impeachment foi tão longe. Qual a visão da OAB/SC sobre essa construção?
Silva - Os processos de impeachment de governador não são muito comuns. Hoje temos dois, em Santa Catarina e no Rio de Janeiro. Mas não são comuns. Por isso esses tribunais previstos na lei de 1950 nunca foram instaurados. Em 2017, o Supremo, analisando o regimento interno da Assembleia Legislativa de Roraima, que previa uma estrutura para esse tribunal, considerou que essa estrutura era compatível com a Constituição. A partir disso, essa previsão orientou possíveis processos. O rito do impeachment tem nuances que podem ser objeto de polêmica política, o que é normal dentro de uma democracia, mas me parece que o processo transcorreu, do ponto de vista jurídico, dentro dos parâmetros da legalidade.
RCN - Qual o papel da OAB no andamento do processo?
Silva - O crime não é um crime da esfera penal. É um crime político administrativo, por isso a política pesa muito. Agora, com o tribunal misto, também haverá um parecer técnico dos desembargadores e a possível responsabilização. A OAB acompanha para garantir o devido processo legal, as prerrogativas dos advogados, e que o processo seja o menos traumático para a sociedade catarinense.
RCN - Ao longo do processo, houve muito questionamento sobre o rito. Hoje, esta questão está pacificada? Não cabe mais judicialização?
Silva - Dizer que não cabe mais uma judicialização é prematuro porque ela pode vir em razão do desenrolar do processo, mas efetivamente quando a ministra Rosa Weber não reconhece a ação que estava sob sua relatoria, eu acredito que fica muito esvaziada essa possibilidade. Claro, cabe que as defesas vejam possível recurso. Parece que as posições que temos até agora deixam claro uma autonomia do Legislativo e do tribunal para o transcorrer do processo.
RCN - Isso significa que o segundo processo que corre contra Moisés e Daniela deve ser menos questionado?
Silva - Nós temos uma condição de que, a partir de agora, dentro do que está disciplinado no primeiro processo, estão mecanismos que podem dar andamento a esse procedimento. Diante disso, parece que nesse segundo processo a judicialização de algumas questões será menor do que no primeiro, porque já há uma adensamento. Já está mais claro este rito.
RCN - Existe muita crítica sobre a lei do impeachment, que é antiga, de 1950. O Congresso foi omisso em não legislar sobre o tema?
Silva - Com certeza. Porque nós precisaríamos ter uma lei mais nova, mais moderna. A lei do impeachment tem falhas graves nos dias atuais porque ela é de uma época onde há uma carga de valoração moral muito grande. Nós precisaríamos de uma lei que fosse mais concreta em relação à responsabilidade fiscal, por exemplo. A administração pública mudou muito. Governar mudou de 1950 para cá. O Congresso até tem projetos tramitando, mas eles não são prioritários. Precisaria uma legislação mais ágil, mais nova para conseguir um impeachment mais adaptado à realidade atual. É urgente que o Congresso reforme essa lei do impeachment, até para que não dê a possibilidade de que o chefe do poder Executivo que não tenha maioria na Assembleia ou do Congresso Nacional fique nas mãos da Casa Legislativa. Nós precisamos de uma lei que [puna] condutas graves, não apenas meros descontentamentos políticos.
RCN - O senhor vê um conflito de interesses já que o legislador perderia poder?
Silva - Eu não diria que há um conflito de interesses. Acho que seria leviano falar isso. Não existe um fato claro de que os deputados não querem votar. Mas o Parlamento, desde o impeachment da ex-presidente Dilma, cresceu dentro das atribuições de poder. Por exemplo, para peitar o poder Executivo. Eu não diria que o legislador não tem interesse de aprovar uma nova lei, mas o processo é lento. E, mesmo com a lei ultrapassada, o processo ocorre dentro da legalidade. O impeachment é um fato extremamente grave e é preciso evitar a banalização. Se não daqui a pouco os prefeitos que não tenham maioria, por exemplo, serão objeto de pedidos de impeachment.
RCN - Na comissão, o relatório julgou Moisés e Daniela conjuntamente. Em plenário, a votação ocorreu separadamente. O julgamento político é contra os dois, embora eles queiram se distanciar. Houve algum prejuízo de defesa individual?
Silva - Quando governador e vice entram em atrito como Moisés e Daniela e sofrem um processo de impeachment, e eles não estão unidos, isso enfraquece politicamente ambos. Eu diria que o maior problema sobre esse aspecto foi uma questão política. Sobre o ponto de vista jurídico de defesa, foi oportunizada as defesas de ambos, e puderam realizar sustentações orais. No tribunal, também haverá essa oportunidade. Parece que o problema é político mesmo. Se eles estivessem unidos, talvez houvesse maior possibilidade de conclamar setores da sociedade que estivessem na defesa do governo. A sociedade, no que a gente vê, não está nem contra nem a favor do impeachment. Não vemos manifestações mais eloquentes neste sentido. Mas isso é ruim para o governador e para a vice porque no Parlamento eles estão com franca desvantagem de representantes.
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