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Safra de trigo menor pode encarecer derivados e pesar na inflação

Rio - Os problemas climáticos que afetaram a safra de trigo deste ano podem elevar o preço do produto, encarecendo itens como o pão francês, que tem peso individual de 1,16% na formação do cálculo da inflação oficial, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Dentro do índice, de janeiro a julho, o preço do pão francês acumula uma alta de 1,49%. No entanto, nos 12 meses encerrados em julho, o pãozinho já ficou 9,00% mais caro, o que é explicado pela alta expressiva do trigo no fim do ano passado. O receio é que a quebra da safra este ano possa levar a um novo aumento, pressionando a inflação.

"O peso do arroz no IPCA é de 0,46%, só para termos uma ideia de grandeza, da importância do pão", disse Eulina Nunes dos Santos, coordenadora de Índices de Preços do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). "Todos os derivados de trigo juntos pesam cerca de 2,2% (na inflação pelo IPCA). Esse peso é muito grande".

Na avaliação de Lawrence Pih, presidente do Moinho Pacífico, um dos maiores da América Latina, o preço do trigo no mercado internacional deve aumentar a partir de setembro, por conta da demanda forte e da queda de produtividade em países como Estados Unidos e Canadá. "A oferta está muito estreita em relação à demanda e o milho também está muito caro. Quando o milho sobe, o trigo vai junto, porque é seu substituto na ração animal", explicou Pih.

O executivo do Moinho Pacífico calcula que um aumento de 20% no trigo se traduz em uma alta de 15% na farinha e um encarecimento de, no mínimo, 4% do pão francês. "Um aumento no trigo impacta diretamente o pão", destacou Pih.

No levantamento sobre o custo da cesta básica feito pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o pão francês tem peso de 0,93%. Segundo o Dieese, mesmo com uma queda de 0,27% no preço da farinha de trigo de janeiro a julho, o pão de sal acumulou uma alta de 3,93% no período. O aumento nos preços das bolachas e biscoitos foi de 3,11%, enquanto o de massas secas foi de 0,92%.

"Qualquer oferta que caia, terá impacto e vai aumentar o preço", explicou Cornélia Nogueira, coordenadora de Pesquisa de Preços do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). "O pão pesa bastante (na cesta básica)".

A safra de trigo teve rendimento e qualidade prejudicados por problemas climáticos, tanto no sul do País (onde a previsão já é de uma safra 14% menor do que a colhida em 2010) quanto de fornecedores importantes, como Argentina e Paraguai.

O IBGE reduziu, mais uma vez, em julho a estimativa para a produção de trigo este ano. A safra deve ser 14,8% menor na comparação com a de 2010. O volume esperado é de 5,145 milhões de toneladas, quase 900 mil toneladas a menos que no ano passado. Como resultado, o Brasil terá que importar mais trigo este ano, para dar conta de uma expectativa de 10,422 milhões de toneladas de consumo interno aparente.

"Houve problemas climáticos, mas também plantou-se menos, porque o preço não era atrativo", disse Mauro André Andreazzi, gerente da Coordenação de Agropecuária do IBGE. "No Paraná, faltou chuva na época de plantio, depois teve uma geada", recordou.

A previsão da área a ser colhida também teve redução, de 4,2%, para 983.881 hectares. A diminuição da produtividade esperada é de 5,6%. A produção do Paraná, avaliada agora em 2,5 milhões de toneladas, sofreu redução de 9,6%, fazendo com que a participação do estado na produção nacional do trigo saísse de 57,0% para 49,2%.

O impacto da queda já foi sentido na produção de derivados do trigo pela agroindústria, que recuou 1,8% no primeiro semestre. "O trigo é um produto que o Brasil não é autossuficiente. A gente importa boa parte da Argentina, porque a qualidade do nosso trigo não é boa para a panificação", disse Fernando Abritta, economista e técnico da Coordenação de Indústria do IBGE.

Para Olga Feneniuk, dona da corretora de commodities Intercrop, que compra e vende trigo para moinhos, é cedo para falar em quebra, embora já haja redução por conta das geadas. Olga prevê que o estado do Paraná terá uma redução de produtividade de 7%. No Mato Grosso, essa queda ficará entre 14% e 15%, enquanto que em São Paulo o recuo deve ser de 4% a 5%. "Mas eu ainda estou trabalhando com cinco milhões de toneladas no Brasil este ano. Ainda há muito o que acontecer, porque temos que esperar a safra gaúcha", ponderou Olga.

Na avaliação de Lawrence Pih, mesmo que o Brasil consiga colher as cinco milhões de toneladas, haverá pouco trigo com a qualidade que os moinhos desejam. "O trigo do Rio Grande do Sul e também do sul do Paraná é um trigo brando, que não serve para panificação. Só serve para farinha doméstica, farinha para biscoito ou para massa, eventualmente. Mas 60% da demanda do Brasil é pão francês. Então vamos ter problema de quantidade e qualidade", afirmou o executivo.

O presidente do moinho contou ainda que a geada também atingiu o trigo de boa qualidade do Paraguai. Outro motivo de preocupação para Pih é que a USDA, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, reduziu a estimativa de trigo argentino de 15 milhões de toneladas para 13,5 milhões de toneladas. "Há uma queda significativa de oferta do Mercosul", ressaltou.

O Brasil compra trigo do Uruguai, do Paraguai e, principalmente, da Argentina para suprir suas necessidades devido às vantagens tributárias do Mercosul. "O Mercosul não tem imposto e não tem a taxa da marinha mercante, enquanto os Estados Unidos têm 10% de imposto sobre o trigo, sobre o frete, e é acrescido ainda uma taxa de 25% de marinha mercante. Fica bem mais caro que o trigo argentino. Não bastasse isso, São Paulo é muito mais perto da Argentina, do que o Golfo do México, de onde vem o trigo americano", lembrou Pih.

Para Olga, os derivados do trigo podem ficar mais caros não apenas por conta da safra, mas por acréscimos em toda a cadeira produtiva. "Eu acho que a grande questão não é apenas o preço da matéria-prima. De forma geral, a inflação está vindo. Tem que levar em consideração que a eletricidade subiu, os combustíveis para transporte subiram, houve reajuste salarial, a carga tributária é bastante alta. Tudo isso compõe o preço", concluiu a corretora de commodities.

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